Novas regras para setor de carga abrem espaço para rombo fiscal
Uma das demandas dos caminhoneiros que protestaram contra a alta dos combustíveis, o marco regulatório do transporte de cargas, aprovado ontem pela Câmara dos Deputados, tem potencial para gerar novo rombo nas contas públicas. A proposta contém pelo menos oito renúncias fiscais, abatimento de impostos e anistia de multas.
Com toda a base do governo a favor do projeto, e a ameaça de um novo protesto dos caminhoneiros, o Executivo orientou a favor do parecer do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP). A saída, agora, será trabalhar para alterar o projeto no Senado, aproveitando que o Legislativo deve sair de recesso nos próximos dias, ou usar o poder de veto do presidente da República.
Apesar de o excesso de caminhões ser apontado como um dos motivos para os problemas do setor de transporte, a proposta cria programa para renovação da frota que dará isenção de IPI, PIS e Cofins para compra de veículo de carga, implementos rodoviários, reboque e semirreboque de carga, além de redução de 50% no ganho de capital da empresa com a troca por um veículo de maior valor.
O texto também permite usar os gastos com pedágio para abater o Imposto de Renda e gerar créditos de PIS e Cofins. O pedágio, se a proposta for aprovada, não integrará o valor do frete para o cálculo da receita da empresa para fins de tributação, contribuições previdenciárias ou substituição tributária. O Valor questionou a Receita Federal sobre o impacto dessas medidas, mas não teve retorno.
O relator, que é dono de uma frota de 120 caminhões, defendia incluir no projeto anistia as multas dos caminhões que ficaram parados em vias públicas durante o protesto, mas recuou após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizer que tiraria o projeto de pauta. Deputados pressionaram Maia, dizendo que foram multadas até empresas que queriam trabalhar, mas pararam após ameaças.
As multas aplicadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) somam R$ 845 milhões. Esse grupo de parlamentares pretende reapresentar a anistia como emenda em uma medida provisória.
Outra anistia, contudo, passou no projeto, e sem relação com o protesto. Pela proposta, serão transformadas em advertências todas as multas por evasão de fiscalização rodoviária. Não há um marco temporal para essa remissão e não está claro o que ocorrerão com as multas já pagas. O PL também afrouxava a fiscalização em fronteiras, liberando cargas caso os postos aduaneiros estivessem fechados, mas esse artigo foi retirado após a Polícia Federal ligar o sinal de alerta com temor de aumento do tráfico de drogas.
A principal disputa no plenário da Câmara é um artigo que determina que a prestação de serviços de transporte é uma relação “sempre empresarial”, será julgada apenas pela Justiça Cível (não poderá ser levado, portanto, para a Justiça do Trabalho) e não configurará vínculo de emprego.
O PCdoB fez um acordo com o relator para excluir esse artigo, em troca de não tentar impedir a votação do projeto com requerimentos, mas PSDB, MDB e DEM, apoiando a demanda de empresas de transporte e do agronegócio, exigiram a votação em separado e aprovaram o dispositivo.
O projeto, com quase cem artigos, modifica as relações comerciais entre as empresas e os caminhoneiros (como estabelecer um prazo máximo para a carga ser descarregada no destino, evitando que o caminhão seja usado como “armazém” informal).
Com o aumento dos roubos de carga, a proposta também torna obrigatória a contratação de seguro para cobrir acidentes, perda de mercadoria e roubos, dá ao transportador o direito de receber fretes e taxas em caso de assaltos e aumenta penas para empresas e motoristas envolvidos em furto e receptação de cargas.
Outra mudança é a perda do CNPJ do posto de gasolina que adulterar os combustíveis ou fraudar as bombas. A pedido dos caminhoneiros profissionais, o limite para perder a carteira nacional de habilitação (CNH) aumentará de 20 para até 40 pontos se não houver infrações graves.
FONTE: Valor Econômico
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