O COMBATE ÀS PRÁTICAS ANTI-SINDICAIS E DE SINDICALIZAÇÃO FORÇADA NO DIREITO NORTE-AMERICANO
BRUNO FONTENELE CABRAL
Delegado de Polícia Federal
As práticas anti-sindicais e de sindicalização forçada eram
muito comuns no Direito norte-americano até o início do século
XX. Inicialmente, é importante destacar que as práticas anti-sindicais
constituem-se em atos que prejudicam o titular de direitos no livre exercício
da atividade sindical. Além disso, essas práticas abrangem os atos
em que são negadas as prerrogativas necessárias ao normal desempenho
dos sindicatos. Ademais, as práticas anti-sindicais caracterizam-se por
atos de obstrução dos direitos sindicais e de recusa da negociação
coletiva por meio do uso da violência. Tais práticas geralmente se
manifestam por meio da divulgação de listas negras entre as empresas
ou também por meio de cláusulas contratuais em que o empregado compromete-se
a não se filiar ou a se desligar do sindicato como critério de admissão
ao emprego.1
Ao lado das condutas anti-sindicais, estão as práticas
de sindicalização forçada, que se manifestam por meio de cláusulas
que tornam obrigatória a filiação dos trabalhadores a um sindicato.
A cláusula denominada closed shop, por exemplo, representa uma
prática em que o empregador se obriga perante o sindicato obreiro a
apenas admitir trabalhadores filiados. Já a cláusula union shop
é a prática em que o empregador compromete-se a manter
somente empregados que se filiem ao sindicato após um determinado prazo
estabelecido após a admissão. Além disso, há a cláusula
preferencial shop que estabelece a preferência de contratação
por parte da empresa de filiados dos sindicatos. Por fim, há a cláusula
maintence of membership, na qual os empregados que se filiem voluntariamente
a um sindicato devem nele permanecer durante toda a vigência da convenção
coletiva em que a cláusula é ajustada, sob pena de demissão.2
Em 1898, ocorreu a primeira tentativa de impedir as práticas
anti-sindicais nos Estados Unidos, quando o Congresso aprovou o Erdman Act,
que proibia as empresas de obrigar o trabalhador a se filiar ao sindicato
da categoria no momento de sua contratação. O Erdman Act, em
síntese, tornou ilegal a yellow dog clause. Além disso, a Lei
estabeleceu a proibição da demissão de trabalhadores durante
o período da negociação coletiva, no qual se discutiam novas
condições de trabalho, salvo nos casos do cometimento de falta grave
por parte do trabalhador.3
Em 1914, o Congresso aprovou o Clayton Act,4
que incluía uma série de medidas para a proteção da liberdade
sindical. Já em 1926, foi aprovado o Railway Labor Act (RLA),5
que estabeleceu a negociação coletiva e proibiu a discriminação
contra os sindicatos.
Em 1932, os yellow dog contracts foram proibidos
de forma definitiva no Direito norte-americano com a publicação do
Norris-LaGuardia Act.6 Tal norma determinou que todas as cláusulas
yellow dog estabelecidas em contratos de trabalho seriam consideradas
sem efeito perante qualquer Corte dos Estados Unidos. Também é importante
mencionar que a referida Lei trouxe a descriminalização da atividade
sindical. Antes de 1932, a atividade sindical era extremamente mal vista pelos
Tribunais, sendo considerada uma verdadeira conspiração de trabalhadores
contra a atividade comercial. Ademais, a norma impediu que as Cortes Federais
estabelecessem restrições que inviabilizassem o direito à greve,
o direito à disputa laboral e o direito à auto-organização
sindical.
Por fim, é importante destacar que inúmeros
questionamentos sobre a aplicação do Norris-LaGuardia Act foram
enfrentados pela Suprema Corte dos Estados, em especial nos casos New Negro
Alliance v. Sanitary Grocery Company (1938), United States v. Hutcheson
(1941), Marine Cooks & Stewards v. Panama S.S. Company (1960), Bufallo
Forge v. United Steelworkers (1976) e Jacksonville Bulk Terminals v.
International Longshoremens Association (1982).
Em 1935, o National Labor Relations Act7 representou
uma das mais importantes normas de direito coletivo norte-americano, ao proibir
a prática das seguintes condutas: 1. intervenção na formação
do sindicato; 2. intervenção ou restrição aos empregados
de formar um sindicato ou negociar coletivamente; 3. imposição de
condições para admissão ao emprego que encorajem ou desencorajem
a filiação a um sindicato; 4. proibição da discriminação
contra o empregado que testemunhar ou apresentar denúncias de descumprimento
das leis trabalhistas; e 5. recusa em negociar coletivamente com sindicatos
representativos dos empregados.
Em 1947, o Taft-Hartley Act8
garantiu o direito aos trabalhadores de se filiar aos sindicatos, de negociar
coletivamente e de entrar em greve. Além disso, baniu a prática do
closed shop.
Após uma breve retrospectiva das principais normas
de combate às práticas anti-sindicais e de sindicalização
forçada no Direito norte-americano, cumpre fazer um breve apanhado das
principais decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o tema. Inicialmente,
é importante apontar que a constitucionalidade do Erdman Act, de
1898, foi discutida pela Suprema Corte no caso Adair v. United States
(1908). O caso teve início quando Willian Adair, um representante
da empresa denominada Louisville and Nashville Railroad Company, violou
os termos da legislação em vigor (Erdman Act), ao demitir um
maquinista pelo simples fato de ele se filiar ao sindicato de sua categoria.9
Antes de qualquer coisa, é importante definir yellow
dog contract ou yellow dog clause como o acordo de não-sindicalização,
no qual o futuro empregado se compromete perante o futuro empregador a não
fazer parte de um sindicato após a sua contratação. Nos Estados
Unidos, essa cláusula anti-sindical era bastante comum na década de
1920 e amplamente utilizada pelas empresas nas contratações de mão-de-obra.10
Sendo assim, a grande indagação trazida à
Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Adair v. United States (1908)
era se a Lei podia estabelecer restrições à liberdade contratual,
ao impedir o estabelecimento da yellow dog clause nos contratos de trabalho.
Em síntese, buscava-se saber se o governo tinha autorização para
invadir a liberdade individual protegida pela Emenda nº V da Constituição
dos Estados Unidos, que assim dispõe, in verbis:11
Ninguém será detido para responder
por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação
perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de
guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou
na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo
crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado
em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser
privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada
poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização
(grifo nosso)12
Após analisar o presente caso, a Suprema Corte firmou
o posicionamento de que o Erdman Act violava a Constituição
dos Estados Unidos e representava um exercício ilegítimo da autoridade
do Congresso Nacional, pois o Estado não podia se intrometer indevidamente
na liberdade contratual das partes.13
Em 1938, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou o New
Negro Alliance v. Sanitary Grocery Company (1938). A origem da controvérsia
ocorreu quando uma associação de negros para a promoção
de atividades educacionais, beneficentes e de caridade requereu à empresa
Grocery Company a adoção de uma política de empregar negros
nas lojas da empresa cujos produtos eram largamente utilizados por negros, mas
nas quais não trabalhava nenhum funcionário negro. O requerimento
da associação foi ignorado, e então ela decidiu organizar um
protesto na frente de uma das lojas, mostrando cartazes com os seguintes dizeres:
Faça sua parte! Compre onde você trabalha!.14
A grande discussão que chegou à Suprema Corte
dos Estados Unidos era se uma disputa que envolvesse discriminação
racial poderia ser enquadrada numa disputa laboral protegida pelo
Norris-LaGuardia Act. Ao se posicionar sobre o caso, o Excelso Tribunal
firmou o posicionamento de que o Norris-LaGuardia Act garantia a liberdade
de associação e de livre funcionamento dos sindicatos e não poderia
ser afastado, mesmo que a disputa também envolvesse a questão da discriminação
racial.15
Em 1941, a Suprema Corte dos Estados Unidos voltou a enfrentar
um caso sobre a aplicação do Norris-LaGuardia Act no precedente,
United States v. Hutcheson (1941). Os fatos que originaram o presente
caso tiveram origem quando empregados sindicalizados se recusaram a trabalhar
para uma dada empresa, por entenderem que ela desrespeitava direitos trabalhistas.
Além disso, os empregados recomendaram aos sindicalizados que não
comprassem produtos da referida empresa.16
Ao analisar a demanda, a Suprema Corte dos Estados Unidos
asseverou que as ações praticadas pelos trabalhadores estavam protegidas
pelo Clayton Act e estavam de acordo com o conceito de disputa
laboral estabelecido pelo Norris-LaGuardia Act.17
Finalmente, em 1982, a Suprema Corte dos Estados Unidos
voltou a abordar o Norris-LaGuardia Act no caso Jacksonville Bulk
Terminals v. International Longshoremens Association (1982).18
O caso teve início quando o então presidente
dos Estados Unidos Jimmy Carter anunciou uma série de medidas de restrição
de comércio com a União Soviética por causa da invasão do
Afeganistão. A International Longshoremens Association anunciou
que seus membros não iriam descarregar nenhuma carga vinda da União
Soviética. Quando os empregados se recusaram a descarregar os navios, seus
empregadores ajuizaram uma pretensão com a alegação de que a
atitude do sindicato dos trabalhadores violava os termos da negociação
coletiva que estabelecia uma restrição à greve e a necessidade
de prévio estabelecimento de um juízo arbitral no caso de disputa
entre as partes.19
Ao analisar o caso, a Suprema Corte dos Estados Unidos
firmou o posicionamento de que a liberdade sindical estabelecida pelo Norris-LaGuardia
Act aplicava-se ao presente caso, por se tratar de uma disputa trabalhista,
mesmo que a greve fosse por motivação política.20
Por todo o exposto, conclui-se que a evolução
da legislação federal e da jurisprudência da Suprema Corte dos
Estados Unidos, ao longo do século XX, mostrou que o Direito norte-americano
criou um profundo alicerce em defesa da liberdade sindical e da autonomia sindical,
principalmente no que se refere à proibição das práticas
anti-sindicais, tais como o yellow dog contracts e de sindicalização
forçada, tais como o closed shop.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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v. United States (1908). Disponível em: <http://www.law. cornell.edu/supct/>.
Acesso em: 5 jun. 2010.
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Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
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Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/>. Acesso
em: 6 jun. 2010.
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Acesso em: 10 jun. 2010.
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Acesso em: 12 jun. 2010.Railway Labor Act (1926).
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EBchecked/topic/652567/yellow-dog-contract>. Acesso em: 12 jun. 2010.
NOTAS
1. BARROS, Alice Monteiro de. Condutas Anti-sindicais Procedimento.
In: Revista LTr, v. 63, nº 11, nov. de 1999, pp. 1454-1461.
2. DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo:
LTr, 2002, págs. 1.282-1.284.
3. Adair v. United States (1908). Disponível em:
<http://www.law. cornell.edu/supct/>. Acesso em: 5 jun. 2010.
4. Clayton
Act (1914). Disponível em: <http://www.lectlaw.com/files/ emp26.htm>.
Acesso em: 12 jun. 2010.
5. Railway
Labor Act (1926). Disponível em: <http://www.lectlaw.com/ files/emp26.htm>.
Acesso em: 12 jun. 2010.
6. Norris-LaGuardia
Act (1932). Disponível em: <http://www.lectlaw. com/files/emp26.htm>.
Acesso em: 12 jun. 2010.
7. National
Labor Relations Act (1935). Disponível em: <http://www. u-s-history.com/pages/h1612.html>.
Acesso em: 16 jun. 2010.
8. Taft-Hartley
Act (1947). Disponível em: <http://www.u-s-history. com/pages/h1667.html>.
Acesso em: 16 jun. 2010.
9. Adair
v. United States (1908). Disponível em: <http://www.law. cornell.edu/supct/>.
Acesso em: 05 jun. 2010.
10. Definição
de Yellow dog contract. Disponível em: <http://www. britannica.com/EBchecked/topic/652567/yellow-dog-contract>.
Acesso em: 12 jun. 2010.
11. Adair
v. United States (1908). Disponível em: <http://www.law. cornell.edu/supct/>.
Acesso em: 05 jun. 2010.
12. ESTADOS
UNIDOS. Emenda nº V da Constituição norte-americana. Disponível
em: <http://www.embaixada-americana.org.br/>. Acesso em: 6 jun.
2010.
13. Adair
v. United States (1908). Disponível em: <http://www.law. cornell.edu/supct/>.
Acesso em: 5 jun. 2010.
14. Negro
Alliance v. Sanitary Grocery Company (1938). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/>.
Acesso em: 4 jun. 2010.
15. Negro
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Acesso em: 4 jun. 2010.
16. United
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Acesso em: 17 mai. 2010.
17. United
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Acesso em: 17 mai. 2010.
18. Jacksonville
Bulk Terminals v. International Longshoremens Association (1982). Disponível
em: <http://supreme.justia.com/>. Acesso em: 10 jun. 2010.
19. Jacksonville
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em: <http://supreme.justia.com/>. Acesso em: 10 jun. 2010.
20. Jacksonville
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em: <http://supreme.justia.com/>. Acesso em: 10 jun. 2010.