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13/12/2018 - 13:24

Análise

Reforma trabalhista criou mais empregos formais, mas ainda é contestada

A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) completou seu primeiro ano no início de novembro. Ela foi o mais profundo conjunto de alterações já realizado nos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e representou uma das principais medidas tomadas pelo governo do presidente da República, Michel Temer, que se encerrará no fim do ano.


Foram quase sete meses de intensas discussões no Congresso Nacional, com mais de 1.600 emendas apresentadas pelos parlamentares. No Senado, um dos pareceres emitidos pelas comissões temáticas chegava a rejeitar o projeto (PLC 38/2017). O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), favorável ao texto, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que aprovou o voto em separado de Paulo Paim (PT-RS) em junho. A reforma foi aprovada e promulgada em julho de 2017, mas entrou em vigor 120 dias depois, conforme previsto no texto — a ideia era dar tempo para que os setores produtivo e jurídico se adaptassem às novas normas.


Após um ano de experiência com a reforma, a avaliação sobre ela ainda é difusa. A aplicação jurídica de muitas das novas regras não foi imediatamente pacificada e a regulamentação de diversos trechos não está completa. Em termos de resultado, os efeitos da legislação na geração de emprego são imprecisos.


É possível afirmar, entretanto, que em uma área a reforma vem tendo sucesso verificável. A natureza das relações de trabalho vem se alterando consistentemente, e o panorama do mercado no país já é outro em comparação com o quadro existente no final de 2017. Especialistas divergem sobre se essa mudança é positiva ou negativa, mas ambos os lados reconhecem que ela veio para ficar.


Empregos formais


São dois os principais indicadores de desemprego no Brasil. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) registra a porcentagem dos brasileiros em idade ativa que estão desocupados. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compila a diferença entre contratações e demissões no mercado formal. A principal diferença é que a Pnad incorpora no seu cenário a informalidade, enquanto o Caged detecta apenas a situação que quem possui carteira assinada.


Um olhar sobre a Pnad mostra que, no ano de vigência da reforma trabalhista, a oscilação da taxa de desemprego ficou num patamar ligeiramente abaixo do anterior, quando a crise econômica estava no seu auge.



 


O Caged, porém, mostra uma variação mais drástica. O saldo entre contratações e demissões se manteve consistentemente positivo ao longo de 2018, ao contrário dos anos anteriores.


 



 


Isso significa que a reforma não reduziu o desemprego geral de forma significativa, mas foi bem-sucedida em levar mais trabalhadores para regimes formais, com carteira assinada. Essa é a interpretação de Martha Seillier, assessora especial da Casa Civil que trabalhou na elaboração da nova legislação.


— No Brasil havia várias pessoas trabalhando sem conseguir se encaixar num contrato formal, porque o modelo não existia. Se ela não ia trabalhar regularmente no mesmo local, no mesmo horário, para o mesmo empregador, tinha dificuldade de encontrar um contrato assinado com todos direitos garantidos. Quem estava fazendo 'bicos' sem carteira assinada hoje pode ter.


As figuras da jornada intermitente (no qual a prestação de serviços não é contínua, mas alterna períodos de inatividade) e da jornada parcial (que não cobre o dia inteiro, apenas determinados períodos) foram inovações introduzidas pela reforma que, segundo Martha Seillier, permitiram essa melhora.


O público mais beneficiado por essa regulamentação, na sua análise, foram os jovens. Eles são os mais afetados pelo desemprego em parte porque, quando entram no mercado de trabalho, não raro precisam conciliar a atividade profissional com estudos e não têm dias inteiros à disposição. Sem um modelo de contrato adequado a essas necessidades, não havia incentivo para empregadores atenderem esse segmento da população.


A assessora destaca ainda que a retomada do emprego como um todo ainda depende de uma recuperação econômica mais robusta do país. De acordo com Martha Seillier, a reforma procurou harmonizar a legislação às configurações modernas do mercado de trabalho para usufruir desse momento no futuro.


— Para ter uma redução consistente do desemprego, tem que haver uma recuperação mais forte da economia. Consideramos que os caminhos abertos pela reforma, tudo que ela fez para adequar o mercado à legislação existente, vão ser muito importantes para isso quando a economia de fato aquecer.


A formalização de regimes especiais é entendida por alguns críticos da reforma como uma “normalização” de atividades mais precárias. Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), afirma que a reforma incluiu na formalidade uma massa trabalhadora, mas à custa de menos direitos.


— Em parte isso é verdade, mas vem acompanhada do rebaixamento do padrão protetivo. A nova tendência é reconhecer que há uma desigualdade enorme e estabelecê-la como o nosso patamar.


Clemente Lúcio destaca que uma flexibilização da legislação para levar à CLT grupos de trabalhadores que persistem na informalidade seria uma medida bem-vinda, desde que atrelada à retomada econômica e pensada para ser revertida à medida que o mercado comportasse um retorno às condições anteriores.


— O processo de formalização tem que vir acompanhado de iniciativas do poder público. Poderia ser uma transição gradativa. Isso é uma coisa. Reconhecer o mercado informal como patamar significa fazer com que ele não se altere na frente.


Outra crítica de Clemente diz respeito à situação dos sindicatos. Com o fim do imposto sindical obrigatório e a possibilidade de homologação individual de acordos e a prevalência de negociações coletivas sobre a legislação, o diretor diz temer um desaparecimento gradual das entidades representativas dos trabalhadores. Para ele, essa consequência significaria a hegemonia dos regimes precários, pois não haveria mais atores com força suficiente para reivindicar o contrário.


“Nova CLT"


As jornadas especiais, ou diferenciadas, e o negociado sobre o legislado estiveram entre os dispositivos mais contestados da reforma ainda durante a sua fase de projeto de lei. Num esforço para garantir a anuência do Congresso, o governo se comprometeu a vetar os pontos mais polêmicos antes da sanção. A medida tomada acabou sendo diferente: o presidente Temer preferiu editar uma medida provisória com novas regulamentações (MP 808/2017).


A MP, entretanto, nunca andou. Jamais debatida ou votada, ela caiu por encerramento do seu prazo de validade. Temer flertou com a edição de um decreto e também com o envio de um novo projeto de lei para o Congresso, mas nada foi feito e os trechos polêmicos anteriormente questionados continuaram na legislação.


Dada a inação do governo, o Senado se mobilizou. Em agosto de 2017 foi instalada uma subcomissão destinada à análise do chamado “Estatuto do Trabalho”. A ideia é que o texto se torne uma “nova CLT”, se sobrepondo tanto à reforma quanto à legislação trabalhista anterior e estabelecendo ainda mais direitos e garantias.


O “Estatuto” foi apresentado em maio, assinado por entidades de auditores, magistrados e procuradores do trabalho. Segundo os signatários, ele foi discutido com entidades sindicais de trabalhadores e de patrões, autoridades e especialistas diversos.


A proposta do “Estatuto do Trabalho” foi apresentada como sugestão legislativa, tendo como relator o senador Paulo Paim (PT-RS). Ele explica que, pela sua complexidade, o projeto deverá levar anos para ser aprovado. Paim garante que não incorrerá no mesmo erro do governo Temer: a falta de diálogo.


— Uma lei como essa não será aprovada com rapidez. Faremos muito debate. A centro-direita ganhou as eleições com um projeto ultraliberal, temos que entender isso, e temos que dialogar.


A subcomissão já realizou 23 audiências públicas desde a sua instalação. A mais recente, no último dia 6, foi destinada a fazer um balanço do primeiro ano da reforma. Não há prazo definido para a apresentação de um relatório sobre a sugestão.


Martha Sellier, da Casa Civil, comenta que é normal haver “resistência” às mudanças efetuadas pela reforma, e que a evolução do mercado de trabalho exige disposição permanente para adaptar as regras. Por isso mesmo ela adverte contra o retorno aos modelos antigos.


— A legislação trabalhista tem que estar sempre sendo revista para acomodar mudanças que estão se verificando na prática. Precisamos ter um olhar sobre a realidade que se impõe. Seria um retrocesso voltar ao que era antes


Situação jurídica


Assim que entrou em vigor, a reforma suscitou dúvidas sobre o impacto das novas regras sobre processos trabalhistas. Empregados, patrões, advogados e juízes não se entendiam em relação ao marco inicial de aplicabilidade das normas: se elas já incidiriam sobre processos e contratos em andamento ou se apenas aqueles abertos depois poderiam ser julgados conforme o novo código.


A indefinição foi agravada pela situação da MP 808/2017. As suas regras produziram efeitos enquanto ela estava dentro do seu prazo, mas, após o vencimento, o Congresso Nacional precisava editar um decreto legislativo para pacificar as relações jurídicas decorrentes do período de vigência. Isso não aconteceu. Desse modo, houve três períodos de regras diferentes em vigor: o período pré-reforma, o período em que a reforma era modificada pela MP, e o período em que a reforma vigorou sozinha.


A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) afirma que muitas das mudanças implementadas pela reforma trabalhista são inconstitucionais, como a regulamentação do trabalho intermitente. O presidente da entidade, Guilherme Feliciano, defende a prerrogativa dos juízes de não aceitarem a aplicação automática das normas, e afirma que a avaliação prévia de constitucionalidade é um pressuposto.


— É absolutamente normal, quando se edita uma nova lei, estabelecer debates. Há pontos de dúvida, inclusive entre advogados e procuradores, e os juízes têm reconhecido. É isso que tem havido, sem anormalidade.


O Tribunal Superior do Trabalho (TST) aprovou, em junho, a Instrução Normativa 41/2018, afirmando que a aplicação das regras da reforma seria imediata, mas, em sua maioria, não afetaria situações iniciadas ou consolidadas antes do dia 11 de novembro de 2017. A instrução, porém, não valeria para questões de direito material (como férias, trabalho intermitente e teletrabalho, por exemplo), que devem ser analisadas caso a caso.


Instruções normativas do TST, no entanto, não têm natureza vinculante. Isso significa que as instâncias inferiores (juízes e tribunais regionais) não são obrigadas a seguir essa determinação.


Uma das metas expressas da reforma era amenizar o litígio trabalhista. Para isso, ela criou restrições ao ajuizamento de ações, instituindo, por exemplo, a sucumbência recíproca. Segundo esse princípio, as despesas processuais são distribuídas proporcionalmente entre as partes em caso de vitória apenas parcial. Ou seja, se um trabalhador levar uma variedade de reivindicações contra seu empregador ao tribunal e não conseguir provar todas elas, terá que arcar com uma parcela dos gastos, mesmo que seja atendido na maioria das queixas.


No primeiro ano da reforma, o volume de ações trabalhistas no país caiu em cerca de 36%, segundo a Anamatra. Para Guilherme Feliciano, porém, é provável que haja uma reversão ao patamar costumeiro em até dois anos, à medida que as regras de aplicação se consolidem.


Isso se dará, segundo ele, porque a legislação ficou “confusa” e isso fomentará novas disputas uma vez que a poeira baixar. Feliciano destaca que, no primeiro trimestre pós-reforma, a queda era de 45%, o que pode indicar uma tendência de estabilização.


— Houve uma redução drástica, mas ela se fez a partir de barreiras que violam a garantia constitucional do acesso à Justiça. Isso não é resolver o litígio, é varrer sujeira para baixo do tapete.


Feliciano avalia que existe no Brasil uma “cultura de sonegação de direitos” e intensificar o ônus da prova para os trabalhadores apenas esconderá esses problemas. Ele vê dois caminhos possíveis no futuro: caso as regras mudem, poderá haver um desaguar de novas ações que tenham ficado represadas pela reforma; caso não mudem, a resolução dos problemas virá mesmo por meio de conflitos, os quais a Justiça do Trabalho existe para resolver.


FONTE: Agência Senado




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