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19/01/2017 - 10:11

Processo Administrativo

Portaria diz que só conselheiros do contribuinte estão impedidos no Carf

No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf), o impedimento de conselheiros por “interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto” só se aplica aos representantes dos contribuintes. De acordo com portaria publicada pelo órgão no fim da tarde desta quarta-feira (18/1), os conselheiros representantes da Fazenda no órgão não precisam se declarar impedidos por esse motivo.


A portaria foi editada por causa do “bônus de eficiência” criado pelo governo (Medida Provisória 765/2016) para dar uma remuneração variável conforme a produtividade de auditores fiscais. O dinheiro para o pagamento desse bônus virá das multas que forem aplicadas a contribuintes e mantidas pelo Carf, e os membros do órgão que forem auditores fiscais também receberão o incentivo.


LEIA MAIS: Auditores fiscais receberão bônus por produtividade (Notícia COAD - 04/01/2017)


Para tributaristas, o bônus criou um incentivo para que os auditores apliquem multas e para que os conselheiros auditores do Carf as mantenham. Portanto, conforme disseram à ConJur, o bônus criou um conflito de interesses nos conselheiros representantes da Fazenda.


No dia 11 de janeiro, o Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (Cesa) enviou um ofício ao Carf pedindo a suspensão dos julgamentos até que essa situação seja resolvida. Para a entidade, o bônus criou um interesse dos conselheiros auditores no resultado dos julgamentos, o que os enquadra na proibição do artigo 18, inciso I, da Lei 9.784/1999. O dispositivo proíbe que servidor com interesse econômico “direto ou indireto” participem de julgamentos administrativos.


Durante a manhã desta quarta, as sessões chegaram a ser suspensas, mas depois foram retomadas. Os conselheiros entenderam que não havia impedimento, já que a medida provisória que criou o bônus estabelece o pagamento do valor cheio a que os auditores teriam direito até março, quando deve ser publicada uma regulamentação da MP.


Letra da lei


A portaria do Carf desta quarta vai mais além. O impedimento de contribuintes está descrito no artigo 42 do Regimento Interno do Carf. No inciso II, há o impedimento por interesse econômico. E no parágrafo 1º, há a explicação de que também estão impedidos os conselheiros representantes dos contribuintes que tenham prestado assessoria ou consultoria jurídica ou que tenham recebido dinheiro das partes envolvidas nos processos.


Na portaria do Carf, no entanto, quando o artigo 42 do Regimento Interno diz “conselheiro”, quer dizer “conselheiros da representação dos contribuintes”. Isso porque o parágrafo 1º do dispositivo faz uma “especificidade” ao que diz o caput.


De acordo com a portaria, não precisa haver a alegação de impedimento porque, se houver interesse do conselheiro no resultado do processo, ele pode ser acusado de improbidade administrativa.


A Assessoria de Imprensa do Ministério da Fazenda disse que o assunto não será comentado, pela pasta ou pelo Carf.


Redação legislativa


Para o tributarista Pedro Lunardelli, coordenador do comitê tributário do Cesa, a portaria “não tem nenhum fundamento jurídico”. Segundo ele, ela faz uma interpretação literal do parágrafo 1º do artigo 42 do Regimento Interno do Carf, o que é “um erro primário”.


O advogado explica que a Lei Complementar 95/1998, que define a redação legislativa federal, determina que parágrafos são explicações, ou explanações, do que diz o caput do artigo. O parágrafo, portanto, diz ele, não pode restringir a ordem do caput.


“Quando o Regimento Interno fala em ‘conselheiro’, não faz restrição e nem menciona ‘conselheiro representante dos contribuintes’. O parágrafo 1º, ao contrário do que diz a portaria, fala que, dentro da categoria de conselheiros, estão os representantes dos contribuintes”, afirma Lunardelli.


O parágrafo 1º foi acrescentado ao Regimento Interno do Carf como consequência da operação zelotes da Polícia Federal. Nela, foram investigadas denúncias de venda de decisões do Carf e pagamento de propina a conselheiros. E a interpretação que a Fazenda deu para os fatos foi o de que o problema estava na paridade do órgão.


Na época, a maioria dos conselheiros dos contribuintes era de advogados, e ficou estabelecido que as causas da corrupção no Carf eram os conselheiros que advogavam. Por causa da operação, foi editado o Decreto 8.441 para criar novas causas de impedimento.


Logo depois, o Conselho Federal da OAB decidiu que, como o conselheiro é um julgador, ser membro do Carf é incompatível com a advocacia. Portanto, os conselheiros dos contribuintes teriam de suspender a inscrição na Ordem. O Regimento Interno do Carf, de fevereiro de 2016, já foi baseado na nova configuração.


“O mesmo argumento do interesse econômico que usamos para falar do bônus foi usado pela Fazenda e pela Receita para alterar o Regimento e impedir que advogados participassem de julgamentos”, afirma Lunardelli. “Por que agora falam que não há impedimento? Por que, não?”


Lógica


Mesmo que o parágrafo 1º do artigo 42 do Regimento trate de “especificidade”, a interpretação do Carf não é correta, na opinião do tributarista Igor Mauler Santiago. “O parágrafo explica o que é interesse econômico para os conselheiros dos contribuintes, mas não afasta a possibilidade de existir interesse econômico dos conselheiros do Fisco”, diz. “A interpretação contrario sensu, que sempre deve ser vista com reservas, não cabe aqui.”


É como explica o jurista pernambucano Lourival Vilanova em seu livro Estruturas Lógicas e Sistema de Direito Positivo: “Da norma proibitiva ‘é proibido trazer cães ao teatro’ não se pode dizer, por argumento a contrario, ‘é permitido trazer animais não caninos ao teatro’” .


O advogado tributarista Breno Vasconcelos, ex-conselheiro do Carf, concorda com as interpretações dos colegas e acrescenta que, se a interpretação do Carf sobre o Regimento estiver correta, o artigo 42 é ilegal. É que a Lei 9.784/1999 é quem define o processo administrativo federal. E o artigo 18 cria hipóteses de impedimento para “o servidor ou autoridade”, de maneira geral.


Não fosse por isso, continua Vasconcelos, o novo Código de Processo Civil, que se aplica subsidiariamente a processos administrativos, também contraria a portaria do Carf. “Quando o CPC fala em suspeição, diz que são suspeitos os julgadores que tenham interesse, sem qualificar se o interesse é econômico, íntimo, financeiro etc.”, explica. “É inegável que o artigo 42 do Regimento decorre de lei.”


FONTE: Conjur



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