Doutrina

O PRINCÍPIO JURÍDICO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL
DA DIGNIDADE HUMANA NO DIREITO DO TRABALHO

RÚBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA
Advogada

Sumário: 1. Conceito de Direitos Humanos. 2. Direitos Humanos e Direito do Trabalho. 3. O Princípio da Dignidade Humana no Direito do Trabalho. 4. Palavras Finais

1. Conceito de Direitos Humanos
Os Direitos Humanos são direitos naturais, inatos, imutáveis, abstratos e inderrogáveis, de inspiração jusnaturalista, que ultrapassam a esfera positiva do Ordenamento Jurídico, por emanarem da própria natureza ética do homem, independente de reconhecimento perante o Estado.
Assim, ensina o ilustre mestre João Baptista Herkenhoff, ao traçar o conceito de Direitos Humanos: “Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de um concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.”1

No entender de Norberto Bobbio, “os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos...”2

Nesse contexto, é preciso lembrar das características que regem os Direitos Humanos:
a) Universalidade – pertencem a todos os seres humanos, independente da nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção política e religiosa.
b) Imprescritibilidade – os direitos humanos não se perdem com o passar do tempo.
c) Inalienabilidade – os direitos humanos não podem ser objeto de transferência, seja a título oneroso ou a título gratuito.
d) Irrenunciabilidade – os direitos humanos não podem ser objeto de renúncia. A pessoa não pode, por exemplo, renunciar à vida e à dignidade.
e) Inviolabilidade – os direitos humanos não podem ser desrespeitados por atos de autoridade pública e por determinações infraconstitucionais.
f) Indivisibilidade – os direitos humanos, de 1ª (primeira) até a 4ª (quarta) geração, devem ser somados e completados um ao outro.
g) Efetividade – os direitos humanos não terão valor, se não houver a materialização e ao mesmo tempo a atuação do Poder Público, no sentido de fazer valer o respeito a esses direitos.
h) Complementariedade – os direitos humanos não podem ser interpretados de forma unilateral, e sim de forma conjunta com todo o sistema jurídico.
José Luiz Quadros de Magalhães, nesse quadro, demonstra de forma irrefutável que os Direitos Humanos significam uma proposta de se repensar o Direito e a Ciência em razão do ser humano, tendo em vista que a única lógica científica se encontra na sua preservação e na sua dignidade.3

Finalmente, atesta, Norberto Bobbio, em A Era dos Direitos: “O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos (humanos), qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.”4

2. Direitos Humanos e Direito do Trabalho
Importante registrar que é o império do mercado financeiro, assentado no lucro, o principal responsável pela fragmentação e coisificação dos seres humanos, por acabar nivelando os indivíduos em razão de suas capacidades econômicas e beneficiar apenas uma pequena parcela da humanidade. Para tanto é que surge o Direito do Trabalho, um ramo autônomo, responsável pela melhoria e qualificação de vida, representando um relevante papel na sociedade, ao resguardar a dignidade da pessoa humana e os direitos essenciais e fundamentais sociais de uma vida digna, decorrentes da própria essência e existência do ser humano; ao lembrar da concepção central e igual do humano como valor, da comunicação e do reconhecimento do próximo através dos sentimentos, desejos, razões, emoções, pensamentos, dores, sofrimentos... não como um ser individualista dotado apenas de matéria, mas através dos dizeres do seu coração e da sua alma.
Poderíamos dizer, parafraseando António José Avelãs Nunes
“(...) a nova economia é apenas um novo disfarce do velho capitalismo, agora globalizado, instalado no mundo do pensamento único, talvez não inteiramente convencido de que ele seja o fim da história, mas vivamente interessado em que o comum das pessoas acredite nisso, e fortemente empenhado em fazer o necessário para tentar atrasar o curso da história.”5

O autor vai mais fundo, ao afirmar que “a desigualdade econômica é considerada uma característica inerente às sociedades burguesas, apesar de estas terem vindo proclamar que todos os homens (mesmo os trabalhadores) são livres e iguais perante a lei.”6

Disso decorre, uma certa nostalgia negativista de etnias, de algumas modificações legislativas e acontecimentos indesejáveis existentes no Direito do Trabalho Brasileiro, quais sejam: salário submínimo, discriminações na relação de emprego, discriminações remuneratórias, flexibilização trabalhista, banco de horas (artigo 59, § 2º, da CLT), contrato provisório de trabalho (Lei nº 9.601/98), terceirização de trabalho permanente na atividade fim e meio, terceirização de trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), trabalho a tempo parcial (artigo 58-A da CLT), “contrato de estágio” para alunos de ensino médio, trabalho a domicílio, suspensão contratual para qualificação profissional do empregado, denúncia vazia da Convenção nº 158 da OIT, surgimento das comissões de conciliação prévia, cooperativas de mão-de-obra fraudulentas, trabalho infantil, trabalho degradante, trabalho escravo...
Mister registrar, então, o comando de José Felipe Ledur (...) até agora não se realizou a promessa de mais empregos com que acena a bandeira desfraldada da flexibilização dos direitos. Essa promessa, na realidade, não passa de mistificação e o que, efetivamente, produz é o subemprego, além de ser meio eficaz para a degradação da força de trabalho, cada vez mais exposta à pressão oriunda do rebaixamento do seu nível salarial. Finalmente, a desqualificação profissional contribuirá para o desmantelamento do próprio setor produtivo.7

Assim, inteiramente pertinente a pontuação de que a flexibilização “levará a maior precarização das relações de trabalho.”8

Aborda com extraordinário brilho Maurício Godinho Delgado: “Na verdade, parece clara ainda a necessidade histórica de um segmento jurídico com as características essenciais do Direito do Trabalho. Parece inquestionável, em suma, que a existência de um sistema desigual de criação, circulação e apropriação de bens e riquezas, como um meio social fundado na diferenciação econômica entre seus componentes (como o capitalismo), mas que convive com a liberdade formal dos indivíduos e com o reconhecimento jurídico-cultural de um patamar mínimo para a convivência na realidade social (aspectos acentuados com a democracia), não pode desprezar ramo jurídico tão incrustado no âmago das relações sociais, como o justrabalhista.”9

Tem razão, pois, o jurista Jose Felipe Ledur quando afirma que “o direito a um posto de trabalho, com remuneração condigna, constitui condição sine qua non para que a imensa maioria dos indivíduos possa exercer o direito fundamental que está no princípio de todos, o direito à própria viva.”10

A percepção dos Direitos Humanos e da dignidade humana como valor impulsionador de todo o Direito nos faz, assim, penetrar na alma do homem – esquecido e desnecessário –, para que possamos admirar as suas qualidades.
Segundo a filosofia Kantiana, o homem e todo ser racional “existe como um fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como fim.11

Por isso, o Direito do Trabalho funciona como um importante instrumento doutrinário humanista de valorização e promoção da pessoa humana, capaz de contribuir para a melhoria da convivência entre os seres humanos.
Ora, é sabido que com a internacionalização do capital aumentam as distâncias entre países ricos e pobres, e diminuem os fundamentos de uma sociedade promotora dos Direitos Humanos Fundamentais. Não é por menos que, ao se traçar a importância dos Direitos Humanos Fundamentais Sociais do Trabalho no universo jurídico brasileiro, há de certa forma um prolongamento da duração de vida e felicidade humana, na busca de verdadeiros e novos empregos, através de uma democracia mais participativa e social.
Foi assim que invocamos o pensamento da filósofa alemã Hannah Arendt, que com a perda da esfera pública: (...) “os homens tornam-se seres inteiramente privados, isto é, privados de ver e ouvir os outros e privados de ser vistos e ouvidos por eles. São todos prisioneiros da subjetividade de sua própria existência singular, que continua a ser singular ainda que a mesma experiência seja multiplicada inúmeras vezes. O mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só lhe permite uma perspectiva.”12

A mesma teórica da Política e da Filosofia completa: (...) “o paradoxo implicado na perda dos direitos humanos é que essa coincide com o instante em que uma pessoa se converte em ser humano em geral – sem uma profissão, sem uma nacionalidade, sem uma opinião, sem um fato pelo qual possa identificar-se – e diferente em geral, representando sua própria individualidade absolutamente única que, privada de expressão dentro de um mundo comum, e de ação sobre este, perde todo o seu significado.”13

“Não o homem, mas os homens é que habitam este planeta. A pluralidade é a lei da terra.”14

Permitam-me, assim, almejar pela real eficácia e efetivação de um Direito Individual do Trabalho mais forte e interventivo, positivado sob a margem de normas bem estruturadas, definidoras de direitos e garantias, tendo em vista as nossas inquietações e perplexidades diante dos novos rumos da modernização brasileira no cenário globalizado, inclusive das gigantescas proporções de miséria humana que assolam e ameaçam a sobrevivência da civilização, já tão responsável pelo esmagamento do ser humano.
“É essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão.”15

Na feliz formulação de João Baptista Herkenhoff, então: (...) “os direitos humanos não são estáticos, não ficaram estabilizados na Declaração Universal em 1948. Continuaram e continuam sendo elaborados e construídos no processo dialético da História. O entendimento dos Direitos Humanos suplanta hoje o texto de 1948.”16

A proteção legal de direitos no ramo justrabalhista não pode transformar o trabalhador em uma vítima da injustiça social e jurídica, pois o alento de sua vida já é viver no silêncio da fadiga, da “tortura” e da “fratura”, tendo em vista as transformações organizacionais e tecnológicas que produzem alterações sem limites na definição e conteúdo do Direito do Trabalho.
Ora, o Direito do Trabalho possui um relevante desafio na atual conjuntura socioeconômica do país, que consiste exatamente em permitir meios próprios de desenvolvimento social ao proletariado, garantindo um mínimo de seguridade aos seres humanos.
É o cerne, a coluna vertebral, o motor social, para que se mantenham vivas e acessas as chamas de uma sociedade destinada a humanizar e moderar os efeitos adversos do capitalismo, melhorar as condições dos trabalhadores e das camadas mais pobres da população, adaptando equilibradamente a distribuição de renda na sociedade capitalista brasileira, essa é, pois, a tecla do piano principiológico de que tanto queremos ouvir a melodia, hodiernamente.
Ouça-se Celso Lafer, na obra Reconstrução dos Direitos Humanos, um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt: “O mal nunca é radical, ele é apenas extremo e não possui nem profundidade nem dimensão demoníaca. Ele pode invadir e destruir todo o mundo precisamente porque se propaga como um fungo na superfície (...). Esta é a banalização do mal. O bem tem profundidade e pode ser radical.”17

É assim, por intermédio da construção dos valores fundamentais dos Direitos Humanos no Direito do Trabalho, que haverá um alargamento e consciência de novos direitos, através de uma luta única, solidária e própria da dignidade e valoração da pessoa humana do trabalhador.
Não resta dúvida de que a declaração de direitos de 1948 considerou todos os atributos essenciais de proteção dos seres humanos, garantindo os direitos fundamentais do trabalhador. E, ainda, que a CF de 1988 acolheu, sem restrições, esse importante diploma internacional, no combate à irresponsabilidade social.
Com efeito, enfatiza com justeza o ilustre constitucionalista Paulo Bonavides: “(...) a Declaração Universal dos Direitos do Homem é o estatuto de liberdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta magna das minorias oprimidas, o código das nacionalidades, a esperança, enfim, de promover, sem distinção de raça, sexo e religião, o respeito à dignidade do ser humano.”18

O ilustre mestre arremata: “(...) a Declaração será, porém, um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumpre as regras estabelecidas naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.”19

Façamos, outrossim, do ambiente jurídico um Direito do Trabalho voltado para a construção de uma sociedade mais justa e digna, para que não haja uma transformação social insípida e inócua, evitando-se uma epidemia virológica que tanto vem se alastrando neste meio, às vezes rápida e indolor, ou latente, esperando um momento de fraqueza do organismo normativo, para que possa se alastrar e demonstrar seus efeitos patológicos.
Neste diapasão, comungamos com o douto excursus do jurista José Felipe Ledur: “(...) o desemprego aflige atualmente centenas de milhões de pessoas no mundo. Trata-se do problema social mais angustiante deste fim de século. É visível o mal que significa para a humanidade a ausência da possibilidade de trabalho, mediante o qual as pessoas possam prover condignamente a sua existência. A existência de trabalho remunerado afeta não só a pessoas que a ele não têm acesso, mas também o grupo familiar e social de que a ele faz parte. As tensões e os conflitos sociais que essa falta provoca interessam a toda sociedade porque ela sofrerá as maléficas conseqüências, inexoravelmente trazidas pela desocupação sistemática de pessoas (...).”20

Assim, estatui que somente pela realização do direito ao trabalho previsto no artigo 6º da CF é que será preenchido o conteúdo reclamado no artigo 1º, III, e do caput do artigo 170 da CF.21

Ora, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades regionais e sociais constituem objetivos da República Federativa do Brasil (artigo 3º, III), sendo esta última, ainda, princípio regente da dita ordem econômica.
Para Ledur, ... “somente à medida que as pessoas puderem prover dignamente o seu sustento e o de sua família estarão aptas a influírem decisivamente na conformação do seu espaço vital.”22

No mesmo contexto dispõe o primeiro, considerando do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, abaixo disposto: “(...) O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.”23

3. O Princípio da Dignidade Humana no Direito do Trabalho
Na lição sempre oportuna do prof. Maurício Godinho Delgado, na obra Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, os princípios são “proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito”.24

Prossegue o renomado juslaborista brasileiro, os princípios são “comandos jurídicos instigadores do universo do direito.”25

No âmbito mundial, a primeira CF que tratou do valor da dignidade humana sob a forma de princípio foi a Constituição da Alemanha, no artigo 1º, nº 1, in verbis: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais.”
Já no Brasil, ensina Maurício Godinho Delgado que “a CF de 1988 é absolutamente inovadora ao tratar da dignidade humana como princípio – comando jurídico regente e instigador, ao contrário da CF de 1946 e das Constituições Autocráticas de 1967 e 1969.”26

Ensina Flávia Piovesan que: “A Carta de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político democrático no Brasil. Introduz também indiscutível avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis na sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre direitos humanos jamais adotado no Brasil (...).”27

Sendo assim, a primeira Constituição Brasileira a tratar do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento da República e do Estado Democrático de Direito, foi a de 1988, no artigo 1º, III; no artigo 170 (Ordem Econômica e Financeira); no artigo 193, senão vejamos, respectivamente, verbis:
“Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a dignidade da pessoa humana...
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VIII – busca do pleno emprego”
A intervenção do Estado na economia faz-se necessária para que se mantenham fixos os pilares do bem estar social e da existência digna do homem.
Art. 193 – A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Na lúcida observação de Flademir Jerônimo Belinati Martins “(...) passa-se, a partir do texto de 1988, a ter consciência constitucional de que a prioridade do Estado (política, social, econômica e jurídica) deve ser o homem, em todas as suas dimensões, como fonte de sua inspiração e fim último. Mas não o ser humano abstrato do Direito, dos Códigos e das Leis, e sim, o ser humano concreto, da vida real. Destarte, deixa-se de lado uma visão patrimonialista das relações políticas, econômicas e sociais para conceber o Estado, e o sistema jurídico que ele estabelece a partir destas relações, como estrutura voltada ao bem estar e desenvolvimento do ser humano. Assim, a pessoa humana passa a ser concebida como centro do universo jurídico e prioridade do Direito”.28

A norma jurídica constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana está na base da enunciação dos direitos humanos e de todo o sistema jurídico universal em si. O Estado possui o importante papel de, ao positivar as normas jurídicas, estimular o bem-estar da população e o desenvolvimento social e humano.
A dignidade é algo que nasce no interior do ser humano, independente de situação ou superioridade social. Como o destinatário final da norma é o homem, o princípio da dignidade humana possui valor máximo, servindo de fundamento para todos os direitos fundamentais expressos na CF de 1988 e de todo o ordenamento jurídico pátrio.
Para a ilustre constitucionalista Cármen Lúcia Antunes Rocha, “o princípio da dignidade humana representa o coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana, estampado nos direitos fundamentais acolhidos e assegurados na forma posta no sistema constitucional”.29

Nesse ínterim, tal princípio tão especial na ordem jurídica pátria, além de impor um poder de abstenção, capacita e desenvolve o ser humano a viver dignamente sob a proteção do Estado, retomando a idéia de solidariedade, vínculo social, participação e realização pessoal entre os membros de uma comunidade humana.
Outra vertente de relevo pela qual se espraia a dignidade da pessoa humana está nas palavras de José Afonso da Silva de que “a dignidade é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano”.30

Desde logo, é o princípio informador de maior hierarquia na ordem jurídica pátria, pois sem dignidade não há vida. Por isso é cognominado de “Princípio dos Princípios”, ao servir de base e influência para todos os demais princípios fundamentais.
Como afirma José Felipe Ledur, “como primeiro princípio dos direitos fundamentais, ele não se harmoniza com a falta de trabalho justamente remunerado, sem o qual não é dado às pessoas prover adequadamente a sua existência, isto é, viver com dignidade”.31
Para que o trabalhador seja considerado cidadão, sujeito e titular de direitos, é necessário que haja uma manifestação do Estado no sentido de reconhecimento da sua própria condição humana, eliminando de vez a drástica redução dos direitos humanos e sociais do trabalho – direitos, estes, que deveriam ser reconhecidos como irrenunciáveis, inalienáveis e insubstituíveis.
Enfatiza, nessa ventura, mais uma vez José Felipe Ledur, “...o Direito é uma ciência normativa e social. Deve, em conseqüência, recolher na realidade social a fonte inspiradora para dar à dignidade da pessoa humana o conteúdo reclamado”.32

O ilustre mestre Maurício Godinho Delgado, ao tratar dos princípios constitucionais do trabalho, nos ensina que “a CF, de forma sábia, percebeu que a valorização do trabalho é um importante veículo de valorização do próprio ser humano, tendo em vista que é pelo trabalho que uma soma de indivíduos mantém-se e se afirma na desigual sociedade capitalista”.33

Tal seiva doutrinária preceitua: “O princípio da dignidade da pessoa humana traduz a idéia de que o valor central das sociedades, do Direito e do Estado contemporâneos é a pessoa humana, em sua singeleza, independentemente de seu status econômico, social ou intelectual. O princípio defende a centralidade da ordem juspolítica e social em torno do ser humano, subordinante dos demais princípios, regras, medidas e condutas práticas”.34 Prosseguindo a narrativa, temos por oportuna, a lúcida observação de José Felipe Ledur: “a existência digna está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano. Assim, a dignidade da pessoa humana é inalcancável quando o trabalho humano não merecer a valorização adequada.”35
Como leciona Maurício Godinho Delgado, “a dignidade humana passa a ser, portanto, pela Constituição, fundamento da vida no país, princípio jurídico inspirador e normativo, e ainda, fim, objetivo de toda a ordem econômica”.36

“De fato, a dignidade da pessoa humana exige que se criem condições reais para que também a pessoa seja autora e participante de sua realização.”37

“Não resta dúvida de que há laços indissociáveis entre a dignidade da pessoa humana e o direito a trabalho justamente remunerado.”38

“Ressalta, assim, o prof. Maurício Godinho Delgado, ao citar Flórez-Valdéz que “a dignidade da pessoa implica situar o ser humano no epicentro de todo o ordenamento jurídico.”39

É preciso ressaltar que a cristalização do princípio da dignidade humana no Direito do Trabalho consiste no reconhecimento da integridade física, moral, intelectual e emocional do indivíduo, como uma pessoa existente em uma comunidade interna e externa, assegurando-a condições existenciais mínimas a uma vida plenamente saudável.
Neste sentido, estatui o artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
É neste contexto que se pode afirmar na posição de José Felipe Ledur “(...) a realização do direito ao trabalho fará com que a dignidade humana assuma nítido conteúdo social, na medida em que a criação de melhores condições de vida resultar benéfica não somente para o indivíduo em seu âmbito particular, mas para o conjunto da Sociedade”.40

Conforme enuncia Ledur: “O crescimento do desemprego e a progressiva falta de trabalho não são fenômenos naturais, mas decorrência de opções econômicas, feitas pelos gerenciadores da economia.”41

É o capitalismo global o elemento responsável pela desigualdade social e da miséria. O modelo econômico que vem causando um abismo cada vez mais crescente entre ricos e pobres e entre países industrializados e emergentes.
Ora, diz a CF de 1988, no artigo 5º, § 1º, in verbis:
Art. 5º – (...)
§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (...)
Esses direitos encontram-se agasalhados e gravados com dispositivos de imutabilidade – cláusulas pétreas da Carta Magna de 1988, conforme preceitua o artigo 60, § 4º da CF de 1988, verbis:
Art. 60 – (...)
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)
IV – os direitos e garantias individuais.
Nesse diapasão, vale ressaltar que a função e eficácia do princípio da dignidade humana se torna indispensável no Direito do Trabalho na medida em que frisa por uma qualidade mínima de vida humana. Afinal, os direitos trabalhistas são direitos fundamentais.
Temos, assim, que nas inigualáveis palavras de Maurício Godinho Delgado: “(...) a idéia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivíduo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social circundante. Na medida desta afirmação social é que desponta o trabalho, notadamente o trabalho regulado, em sua modalidade mais bem elaborada, o emprego”.42

4. Palavras Finais
Ao cabo das considerações expendidas, percebe-se que a concepção de essência do fenômeno humano já não é mais a mesma, por isso desejamos reconstruir essa concepção por intermédio dos Direitos Humanos e da sua importância para o Direito do Trabalho, por intermédio de uma prática mais humanista. Pois, a cada ano que passa o ser humano clama pela reconstrução dos valores humanos e por justiça distributiva.
Como bem disse o ilustre constitucionalista José Afonso da Silva “ (...) a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza”.43

O Estado precisa estar voltado para assumir medidas políticas, dirigidas à busca do pleno emprego e para a redistribuição do rendimento no país, pois só assim a intangibilidade da vida humana será respeitada e a efetivação do princípio jurídico constitucional fundamental da dignidade humana no Direito do Trabalho ganhará respaldo no seio da sociedade.
Não é de se olvidar, em muitos casos, o legalismo exorbitante de legislações e orientações jurisprudenciais de cunho trabalhista altamente prejudiciais e flexibilizadoras para o Direito do Trabalho. Nesse ínterim, pois, não podemos nos filiar e nos conformar com decisões que se resumem no adágio romano summum jus, summa injuria, que segundo José Antonio Martinez Alonso significa: “o predomínio (formal e ao pé da letra) do direito causa as maiores injustiças; as maiores injustiças ocorrem quando o direito é aplicado como se fosse um bem em si mesmo.”44

Ora, é preciso lembrar sempre das palavras da filósofa alemã Hannah Arendt de que “... a própria vida é sagrada, mais sagrada que tudo mais no mundo; e o homem é o ser supremo sobre a terra”.45

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1. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos: Gênese dos Direitos Humanos. Editora Acadêmica, p. 30.
2. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Editora Campus: Rio de Janeiro, p. 16.
3. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional – Tomo I, Editora Mandamentos, p. 344.
4. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Editora Campus, p. 25.
5. NUNES, António José Avelãs. Neoliberalismo e Direitos Humanos. Editora Renovar, p. 84.
6. NUNES, António José Avelãs. Idem, p. 30.
7. LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1998, p. 142.
8. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 185.
9. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr, pp. 98/99.
10. LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1998, p. 167.
11. KANT, E. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, p. 68.
12. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Editora Forense Universitária, 1999, p. 67.
13. ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo, p. 343.
14. ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: o pensar, o querer, o julgar. Editora Relume Dumará, p. 17
15. 3º (terceiro) considerando do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
16. HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos – uma idéia, muitas vozes. Editora Santuário, 1998, p. 15.
17. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. Editora Companhia das Letras, p. 179.
18. BONAVIVES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores, p. 578.
19. BONAVIDES, Paulo, ibidem, p. 578.
20. LEDUR José Felipe, ibidem, p. 96.
21. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 96.
22. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 182.
23. 1º (primeiro) considerando do preâmbulo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948.
24. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Editora Ltr, 2004, p. 14.
25. DELGADO, Maurício Godinho, ibidem, p. 14.
26. O autor, na 2º edição da sua obra Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, LTr, 2004, pp. 164 e 165, informa que a primeira Constituição a mencionar o tema foi a de 1946, porém não se referiu à dignidade como fundamento geral da vida social e política, relacionando-se apenas ao trabalho. Ela não conferia status de fundamento ou princípio à dignidade humana na ordem juspolítica e social do País. Já as Constituições autocráticas de 1967 e 1969, apenas mantiveram a menção à dignidade da pessoa humana, circunscrita à área do trabalho.
27. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. Editora Max Limonad: São Paulo, 2000, p. 50.
28. MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa HumanaPrincípio Constitucional Fundamental. Juruá Editora, Curitiba, p. 72.
29. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Revista Interesse Público - ano 1, nº 4, outubro/dezembro, 1999, p. 32.
30. SILVA, José Afonso da Silva, A Dignidade da Pessoa Humana como Valor Supremo da Democracia . Revista de Direito Administrativo.
31. LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito ao Trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1998, p. 104.
32. LEDUR, José Felipe, ibidem., p. 91.
33. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Editora LTr, 2004, p. 32.
34. DELGADO, Maurício Godinho, ibidem, p. 40.
35. LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris, Porto Alegre, p. 95.
36. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Editora LTr, 2004, p. 42.
37. LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Editora Sergio Antonio Fabris. Porto Alegre,1998, p. 100.
38. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 102.
39. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, Editora LTr, 2004, p. 162.
40. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 98.
41. LEDUR, José Felipe, ibidem, p. 98.
42. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Editora LTr, 2004, pp. 43/44.
43. SILVA, José Afonso da. A Dignidade da Pessoa Humana como valor supremo da democracia. p. 94.
44. MARTINEZ ALONSO, José Antônio. Dicionário de latim jurídico e frases latinas. Vitória: UFES, 1998, p. 330.
45. HANNAH, Arendt. Entre o passado e o futuro. Editora Perspectiva, 1972, p. 83.